Brasil e China: Crescimento nas exportações e os riscos da dependência
Nos últimos anos, a relação entre Brasil e China se tornou cada vez mais intensa. Atualmente, quase quarenta por cento das exportações brasileiras vão para esse país asiático, estabelecendo uma parceria estratégica. Contudo, essa dependência levanta preocupações sobre o futuro da indústria no Brasil.
Os especialistas alertam que o modelo atual, que se baseia principalmente na exportação de commodities como soja, minério de ferro e petróleo, pode prejudicar a base industrial do Brasil. O termo “efeito China” é usado para descrever como essa relação está impactando a economia brasileira e gerando discussões sobre o papel do país no cenário global, especialmente no grupo Brics.
A influência da China nas exportações brasileiras
Nos últimos dez anos, o Brasil exportou mais de US$ 843 bilhões para a China. Mais de 65% dessas exportações foram de soja e minérios. Embora esses números possam parecer positivos, eles indicam uma forte dependência de produtos de baixo valor agregado.
Ana Elisa Saggioro Garcia, professora de Relações Internacionais, destaca que enquanto a China se tornou um centro de manufatura e tecnologia, o Brasil continuou a focar na exportação de produtos primários. A pesquisadora explica que enquanto o Brasil desmantelou suas instalações de beneficiamento de soja e minério, a China investiu em grandes fábricas para processar esses produtos.
Essa dependência começou a se intensificar após 2004, quando o Brasil reconheceu a China como uma economia de mercado. Desde então, o comércio bilateral aumentou, com a China se tornando o principal importador dos produtos brasileiros, superando até mesmo os Estados Unidos.
Exportações em alta, mas indústria em risco
Embora as exportações para a China estejam crescendo, a indústria brasileira enfrenta um problema grave: a desindustrialização. Em 2023, setenta e nove por cento dos produtos importados da China eram de alta tecnologia, enquanto apenas dez por cento das exportações do Brasil para lá se enquadravam nessa categoria.
Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) revela que noventa por cento das exportações brasileiras para a China são compostas por bens primários. Essa situação resultou em uma queda significativa no Índice de Complexidade Econômica do Brasil, que caiu de 23ª para 49ª posição em apenas 25 anos.
A Lei Kandir, que isentou de impostos a exportação de produtos in natura, também contribuiu para o cenário atual. Ana Garcia argumenta que essa política incentivou o envio de matérias-primas sem valor agregado, em vez de estimular o desenvolvimento da indústria.
A questão do processamento de produtos
Atualmente, o Brasil é o maior exportador de soja do mundo, mas ocupa apenas a terceira posição em processamento, atrás da China e dos Estados Unidos. Entre 2014 e 2024, a produção de soja no Brasil cresceu 83%, enquanto o processamento teve um aumento de apenas 53%.
A China tem investido em suas instalações de refino e processamento de produtos agrícolas, o que lhe garante autonomia em bens como óleo e farelo. Da mesma forma, no setor mineral, em 2024, o Brasil enviou 285 milhões de toneladas de minerais para a China, quase todos em estado bruto. Apesar de ter uma vasta reserva mineral, o Brasil ainda investe pouco no beneficiamento desses recursos.
Especialistas afirmam que o problema não está em ter a China como parceira, mas sim na falta de uma estratégia interna. De acordo com Evandro Carvalho, da FGV Direito Rio, “não é a China que desindustrializa o Brasil; o problema está nas políticas nacionais.”
Investimentos e esperança de reindustrialização
Em resposta a esses desafios, o governo brasileiro lançou o plano Nova Indústria Brasil (NIB) em 2024, com o objetivo de atrair R$ 305 bilhões em investimentos até 2026. Este plano espera incentivar a industrialização e aumentar o valor agregado das exportações. Além disso, a presença de montadoras chinesas de veículos elétricos no Brasil é vista como uma oportunidade para transferência de tecnologia dentro do Brics.
No entanto, a dependência comercial do Brasil em relação à China pode ser arriscada. Atualmente, quarenta por cento das exportações brasileiras têm a China como destino. Teóricos econômicos, como Roberto Dumas, alertam que “concentrar tanta exportação em um só país tem suas dificuldades”. Qualquer crise política ou econômica pode perturbar essa relação.
Autossuficiência da China e novas dinâmicas comerciais
À medida que a China avança em direção à autossuficiência alimentar e energética, começa a depender menos das importações brasileiras. Além disso, novos acordos comerciais entre os Estados Unidos e a China podem afetar a demanda por soja brasileira, já que os EUA também são grandes produtores.
O futuro da parceria Brasil-China
Apesar dos desafios, muitos ainda acreditam que a relação entre Brasil e China se manterá forte. Diplomatas e economistas veem um entendimento mútuo sobre questões de comércio e globalização. O ex-embaixador Marcos Caramuru acredita que “mesmo com mudanças políticas, é difícil acreditar que essa relação romperá”.
Os analistas apontam que o grande desafio será transformar o superávit nas exportações em um desenvolvimento real dentro do Brasil. Para isso, o país precisa buscar inovação, tecnologia e reindustrialização. O Brasil deve se esforçar para deixar de ser apenas um fornecedor de matérias-primas e se tornar um participante ativo e inovador no comércio global.
Conclusão
A relação do Brasil com a China apresenta tanto oportunidades quanto desafios. As exportações em crescimento são uma boa notícia, mas a dependência em commodities e a desindustrialização são assuntos que precisam ser discutidos com urgência. O futuro da economia brasileira pode depender de como o país lida com esses dilemas e se consegue transformar suas relações comerciais em um caminho para o desenvolvimento sustentável.
